A complexidade do ser e a busca da felicidade


Todos nós lembramos na aula de Ciências, quando aprendemos sobre a concepção humana. O espermatozoide encontra com o óvulo, formando o embrião. Essa microscópica estrutura se divide e se multiplica milhões de vezes até formar um organismo reconhecido como espécie humana. Então, mais alguns meses no forno e pronto: nascemos. Dizem os especialistas que é nesse momento que enfrentamos nosso primeiro trauma, que é o de sair do aconchego do útero para o mundo. Passamos de um relacionamento monogâmico (exceção se você for gêmeo) para compromisso social, onde compartilhar informações será a chave para um desenvolvimento saudável.

Pouca ou nenhuma recordação temos dessa nova fase. Mas basicamente consiste no reconhecimento do nosso corpo, via sistema motor, e do ambiente que nos cerca. Seguimos nossos instintos, que vem sendo moldados há milhões de anos, trocando "experiências" com os mesmos átomos e moléculas que nos acompanham desde a criação do universo. Apesar do fator instintivo e da pouca recordação, é uma fase bastante difícil, devido a enorme quantidade de sensações que nos perpassam, e sensível (imaginem como deve ter sido difícil sentir sozinho pela primeira vez), que irá definir nossa personalidade e a forma como iremos interagir com o resto mundo. Nessa fase, cria-se uma espécie de ideologia para a vida. Ao longo dos anos iremos evoluir nossas ideias e conceitos, mas uma mudança mais profunda exigirá uma quebra de paradigma, que exigirá esforço.

De qualquer modo, a maioria de nós supera essa fase relativamente bem. Talvez pela similaridade básica desta fase específica com a de nossos antepassados, não sobrou muito espaço para grandes desvios. Porém, à medida que evoluímos, a complexidade do ser se torna mais aparente, isto é, mais tangível. As variáveis são infinitas, pois não são apenas os acontecimentos que influenciarão nossa visão do mundo, mas como cada fato será interpretado por cada um de nós. Ou seja, somos uma mistura de experiências e interpretações, que variam de acordo com nossa vivência e personalidade respectivamente. Por isso o grande perigo de rotular grupo de pessoas. Assim como nossas impressões digitais, somos únicos, independentemente do ângulo observado.

Porém, apesar de termos uma visão individual do mundo, comportamento humano é espantosamente similar. Há pouca variação com a forma que reagimos diante dos acontecimentos do nosso dia-a-dia. Filósofos, cientistas e escritores descrevem tais comportamentos e criam grupos de acordo com os pequenos nuances que conseguem identificar. A forma de interação desses grupos gera uma fonte rica para a análise humana. Mas se somos frutos de uma combinação singular que nos torna únicos, por que somos tão semelhantes na forma de pensar ou agir? A resposta é mais simples do que parece: porque as opções são limitadas.

O ser humano é uma estrutura complexa desde a sua formação. Essa estrutura sofre modificações ao longo do seu desenvolvimento. Mas o fato é que em algum lugar do passado, todas as pessoas que habitam nosso planeta compartilham de um ancestral comum (que pode ser desde um organismo unicelular até algo mais complexo, que os religiosos costuma chamar de Adão). Imagine uma fonte no alto de uma montanha. A água que brota poderá correr para diferentes direções. Ao final da sua jornada, uma análise cuidadosa de cada uma das porções dessa água conseguirá determinar que, apesar de experiências diferentes, todas elas compartilham semelhanças que as tornam irmãs. Isso significa que convergência da nossa fonte primária nos torna uma espécie de grande família.

Mas não são somente semelhanças físicas que compartilhamos, mas também comportamentais. Muitos especialistas apontam que nosso comportamento, assim como o de qualquer outro animal, se resume a preservação da nossa existência. No início, isso se resumia a apenas dois: lutar ou fugir. Com o passar dos anos, nossa capacidade evolutiva nos permitiu que encontrássemos outras saídas para preservar nossos genes. Porém, o fato da origem ser a mesma para todos nós, a capacidade de lidarmos com a vida atual deriva dessas duas ações, isto é, ou lutamos pela vida ou fugimos para sobreviver. Pense bem. Se qualquer uma dessas ações for executada com eficácia, o objetivo final, da preservação da espécie, está praticamente garantido.

Claro que ao longo da evolução do ser humano esses dois processos foram aprimorados. Surgiram adaptações diversas, inúmeras variações, mas, se analisarmos as partes com cuidado, veremos que a mesma nascente. Assim como a fonte, esses comportamentos tomaram rumos distintos. Nuances foram surgindo ao longo do tempo, dando a impressão que somos indivíduos completamente distintos um do outro. Porém, por mais que nossos problemas pareçam únicos e individuais, eles são compartilhados por diversas pessoas. Tal fato é comprovado após uma identificação clara do problema e investigação profunda do mesmo (ganha-pão de milhares de psicólogos, escritores de alto-ajuda e blogs na internet). No fundo, diante da nossa complexidade material e limitação comportamental, buscamos, consciente ou inconscientemente, apenas uma coisa: a felicidade.

Mas o que é felicidade? Como podemos vivenciá-la de forma plena? Uma coisa é certa. Se você quer isso é por que ainda não se considera feliz. Tendemos a considerar a felicidade como a plenitude de sentimentos bons. Tudo está sob controle, e nada de ruim poderá nos atingir. Um estado futuro, que nos espera para quando superarmos todos os nossos problemas atuais. Problemas financeiros, de relacionamento, no emprego, em casa, com o professor, com a família. Nesses casos, a felicidade depende de um fator externo, que pode ou não ser controlado ou influenciado ao nosso favor. Porém, enquanto não tivermos a consciência que somos os únicos responsáveis pela nossa felicidade, esta ficará eternamente relegada ao futuro.

Se uma pessoa nos ofende, a reação normal é ficarmos bravos, chateados. O mesmo acontece se nossa carteira ou celular é furtado. O sentimento de raiva é inevitável. O jorro de adrenalina percorre nosso corpo, nos lembrando das nossas opções mais antigas, lutar ou fugir. Nesse momento, nos sentimos vivos. É como se voltássemos a milhares de anos na nossa evolução, expressando livremente um sentimento bem característico do ser humano: a raiva. Independentemente se tomamos ou não uma atitude no momento que nossa honra é ferida, a raiva existe, e consigo trás uma dose de satisfação. Após algum tempo, ela diminui, mais nunca desaparece. Fica adormecida, aguardando o momento de se manifestar novamente. Para novamente nos sentirmos o senhor do nosso próprio domínio.

Outro componente frequentemente atribuído à felicidade é a posse. O sentimento de possuir algo é gratificante. Então, estendemos esse sentimento para tudo que está ao nosso alcance, incluindo pessoas, objetos concretos e abstratos. Na sociedade do consumo, o importante é o que você tem. Vivemos para ter e temos para viver; não basta fazer, é preciso compartilhar. O crescimento vertiginoso das redes sociais na internet é prova desse sentimento. Porém, não percebemos que, pouco a pouco, nos tornamos escravos daquilo que possuímos. Conquistar e manter custa caro, financeiramente e emocionalmente. E a felicidade nesse processo é ilusória, ansiolítica e opositiva. O desapego é o caminho para a felicidade. Trabalhar o desapego é importante para mantermos o foco na vida em si, pois as melhores experiências não podem ser medidas ou comparadas. Elas nos moldam durante nosso curso e morrem com o nosso corpo. Atingir o pleno desapego não é tarefa fácil, mas favorece nossa capacidade de resiliência, isto é, de voltarmos ao nosso estado original logo após sermos afetados por algum fator externo.

A felicidade, portanto, é uma questão de escolha consciente. Todos nós podemos escolher ser feliz e pautar nossas atitudes nesse caminho. Se nas pequenas ações do nosso dia-a-dia escolhemos não sentir raiva ou tristeza, lembrando sempre da importância do desapego, a soma dessas pequenas felicidades formará uma felicidade maior, plena e bastante satisfatória.

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